Bolsa Família em crise: Lições dos EUA no combate à fome

Bolsa Família x SNAP

O Bolsa Família é um programa social do governo brasileiro, instituído desde 2003. Criado, na época, sobre o Programa Fome Zero, seu intuito foi de combater à fome por meio da transferência de renda às famílias mais vulneráveis. Contudo, passados 20 anos de sua criação, o Bolsa Família chama a atenção pelos fatos que colocam em questão sua efetividade.

O Programa Bolsa Família (Lei n.º 14.601/2023), tem como objetivo o combate à fome e a promoção da segurança alimentar. Isso ocorre por meio da transferência direta de renda às famílias em situação de vulnerabilidade.

Por consequência, o Decreto n.º 12.064/2024, reforça essa diretriz. O seu Artigo 37 traz que o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome deve promover ações de educação financeira para as famílias beneficiárias. O ministério também deve divulgar informações sobre a utilização adequada dos serviços financeiros ofertados. Assim, essa previsão visa assegurar que os recursos sejam usados de forma consciente e alinhada aos objetivos do programa.

Bolsa Família, falhas e problemas apontados

Embora a premissa do Programa Bolsa Família seja de os recursos financeiros transferidos às famílias beneficiadas se destinarem ao combater à fome, não há garantias efetivas que isso ocorra. Esse risco se agrava diante a falta da educação financeira, prevista pelo decreto do programa.

Há relatos amplamente divulgados na mídia e em estudos preliminares, sobre desvios nos usos dos valores transferidos, que contrariam os objetivos originais do programa. Isso ganhou maior evidência diante dos indícios de que os recursos públicos viriam sendo empregados em atividades como apostas em plataformas digitais (caso bets).

Atuações recentes do TCU

Em 2023, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou que aproximadamente 4,7 milhões de famílias estavam recebendo o benefício de forma indevida. Isso resultou em um potencial prejuízo de R$ 34,2 bilhões aos cofres públicos. A investigação revelou que 40,3% das famílias beneficiárias possuíam renda superior à declarada no Cadastro Único (CadÚnico), indicando inconsistências significativas nos dados cadastrais.

Além disso, em dezembro de 2024, o TCU determinou que o governo adotasse medidas imediatas para impedir o uso dos recursos do Bolsa Família em apostas online, conhecidas como bets. Essa decisão foi motivada por preocupações de que os benefícios estivessem sendo utilizados para finalidades contrárias aos objetivos do programa. Esse desvio compromete sua eficácia no combate à pobreza e à fome.

Essas ações do TCU resultaram em recomendações e determinações ao governo federal para aprimorar os mecanismos de controle e fiscalização dos programas sociais. Entre as medidas sugeridas estão a revisão dos cadastros dos beneficiários, a implementação de sistemas mais robustos de verificação de renda e a adoção de políticas que assegurem a utilização adequada dos recursos transferidos.

Em resposta às determinações do TCU, o governo tem enfrentado desafios operacionais para implementar as medidas necessárias. Por exemplo, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as dificuldades em identificar e separar os recursos provenientes dos benefícios sociais de outras fontes de renda nas contas dos beneficiários, complicando a restrição de uso dos valores para atividades como apostas online.

Esses fatos levantam questionamentos sobre a efetividade do programa em cumprir sua função constitucional.

Programa dos EUA de combate à fome

O Supplemental Nutrition Assistance Program (SNAP) tem suas raízes no Food Stamp Program (FSP), criado em 1939 nos Estados Unidos. Originalmente, o programa foi estabelecido durante o governo de Franklin D. Roosevelt, como parte do New Deal. Seu objetivo foi auxiliar as famílias que estavam enfrentando dificuldades econômicas durante a Grande Depressão. Nos primeiros anos, o programa foi limitado a áreas experimentais, com a distribuição de cupons de alimentos.

Em 1964, o FSP foi expandido nacionalmente, após a assinatura da Lei de Alimentos e Agricultura, quando passou a ser administrado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). A partir de então, o programa se consolidou como uma das principais formas de combater a insegurança alimentar em todo o país, oferecendo cupons que permitiam a compra de alimentos essenciais para famílias de baixa renda.

Renomeação e modernização

Foi em 2008 que o programa foi renomeado para Supplemental Nutrition Assistance Program (SNAP). Desde então, passou a operar por meio de um sistema eletrônico, substituindo os antigos cupons de papel. Isso trouxe maior eficiência, segurança e comodidade ao processo de distribuição dos benefícios.

Em 2023, o SNAP beneficiou mais de 41 milhões de americanos, com um custo total de cerca de 120 bilhões de dólares. Os valores dos benefícios variam conforme a composição familiar e a renda, sendo, em média, de cerca de 250 dólares por pessoa ao mês.

O SNAP não apenas ajuda a reduzir a fome, mas também tem um impacto positivo na economia local, já que os benefícios são frequentemente utilizados para comprar alimentos em mercados e lojas, estimulando a demanda e apoiando pequenos comerciantes.

Apesar de seu sucesso, o programa é questionado sobre sua eficácia em resolver problemas de insegurança alimentar a longo prazo. No entanto, muitos o defendem como uma ferramenta essencial para garantir o acesso a alimentos para as famílias mais vulneráveis, especialmente em momentos de crise.

Lições do SNAP para o Bolsa Família

Nos Estados Unidos, o SNAP tem sido uma ferramenta essencial no combate à fome e à insegurança alimentar. O programa americano oferece assistência a milhões de cidadãos para a obtenção de alimentos. A eficácia do SNAP é evidenciada por sua estrutura focada na promoção da nutrição, com benefícios especificamente destinados à aquisição de alimentos saudáveis. Em contraste, o Bolsa Família no Brasil, embora tenha sido criado visando reduzir a fome, enfrenta sérios problemas de desvio de propósito. Infelizmente, os recursos são utilizados para a compra de itens não alimentares e até mesmo para o pagamento de jogos de apostas, comprometendo sua eficácia.

A comparação entre os dois programas revela importantes lições que o Brasil poderia aprender com o modelo americano. Enquanto o SNAP se concentra em garantir que os beneficiários possam adquirir alimentos nutritivos, o Bolsa Família, em sua atual configuração, permite uma flexibilidade que, embora possa parecer vantajosa, acaba facilitando o uso inadequado dos recursos. A possibilidade de utilizar os benefícios para despesas não alimentares tem gerado críticas e questionamentos sobre a verdadeira finalidade do programa, que deveria ser a erradicação da fome e a promoção de uma alimentação saudável.

Maior controle

As vantagens de uma reformulação do Bolsa Família em um formato semelhante ao SNAP são evidentes. Um programa que assegurasse que os benefícios fossem exclusivamente destinados à compra de alimentos poderia não apenas aumentar a segurança alimentar, mas também incentivar hábitos alimentares mais saudáveis entre a população. Ao restringir os gastos a produtos alimentícios, o governo poderia garantir que os recursos realmente cumprissem seu papel social, contribuindo para uma dieta equilibrada e a redução de doenças relacionadas à má alimentação.

Além disso, a implementação de um programa mais estruturado, com educação nutricional e apoio à compra de alimentos frescos, poderia transformar a maneira como as famílias brasileiras se alimentam. A experiência do SNAP em promover campanhas de conscientização sobre nutrição e o incentivo ao consumo de produtos locais são práticas que poderiam ser adotadas no Brasil, potencialmente gerando um impacto positivo na saúde pública.

Necessidade de revisão urgente

A necessidade de uma revisão no Bolsa Família é urgentemente reconhecida por especialistas e ativistas sociais. Há necessidade de um programa que realmente atenda às necessidades básicas da população. A reformulação, com um foco claro em alimentação e nutrição, semelhante ao modelo americano, poderia ser uma solução. Isso não apenas aumentaria a eficácia, mas também restauraria a confiança da sociedade na intenção do programa de combater a fome e a pobreza.

Em um cenário no qual a fome ainda é uma realidade para muitos brasileiros, aprender com as experiências do SNAP pode ser um passo crucial. A construção de um programa social mais eficiente e focado na segurança alimentar não apenas ajudaria a reduzir a insegurança alimentar, mas também fortaleceria a saúde e o bem-estar de milhões de pessoas em todo o Brasil. Com Isso, recursos destinados ao combate à pobreza seriam utilizados de forma eficaz e responsável.

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