IPVA e Pedágios: A dupla cobrança que pesa na economia
O IPVA, como é mais conhecido o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, tem gerado debates e reflexões cada vez mais acalorados. O assunto não sai da pauta, especialmente diante do cenário atual das rodovias brasileiras.
No passado, o IPVA foi criado em 1985 para substituir a antiga Taxa Rodoviária Única (TRU). Uma de suas justificativas principais era o custeio da manutenção das estradas. Porém, com a crescente concessão da malha viária à iniciativa privada, muitos motoristas se perguntam: para onde está indo o dinheiro arrecadado com o IPVA? Além disso, a proliferação de pedágios com tarifas cada vez mais elevadas também levanta essa questão.
Está na hora de aposentar o IPVA
Próximo de completar 40 anos, o argumento de que o IPVA custeia a infraestrutura rodoviária tornou-se obsoleto, na prática. Atualmente, grande parte das estradas de maior movimento no Brasil, como as do estado de São Paulo, está sob concessão. O custo da manutenção e melhorias dessas vias é repassado diretamente aos motoristas por meio dos pedágios.
Segundo a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), o país possui mais de 20 mil quilômetros de rodovias pedagiadas. O número só tende a crescer com novas concessões previstas. Nesse sentido, a justificativa inicial do IPVA se esvazia. A principal despesa de quem circula pelas estradas passou a ser o pagamento de pedágios, e não mais a manutenção estatal das rodovias.
Arrecadação controversa
Em 2022, o IPVA arrecadou cerca de R$ 64,5 bilhões em todo o país, conforme dados divulgados pela Receita Federal. Desse montante, 50% ficam com o estado onde o veículo está registrado, e os outros 50% são repassados para o município do proprietário. Porém, ao contrário do que muitos pensam, essa arrecadação não é vinculada diretamente à infraestrutura de transporte ou manutenção de estradas. Na realidade, o IPVA é uma fonte de receita livre, o que significa que pode ser utilizado pelos governos estaduais e municipais para financiar quaisquer áreas que considerarem prioritárias, como saúde, educação ou segurança pública. Isso cria um abismo entre a origem do tributo e a sua destinação final, gerando uma sensação de descompasso entre o que é pago e o que efetivamente retorna em benefícios para os motoristas.
Além disso, o paradoxo se acentua quando se analisa a distribuição desigual dos pedágios e a qualidade das rodovias. Estados como São Paulo, que possuem as maiores redes pedagiadas do país, também cobram IPVA com alíquotas mais altas, variando de 3% a 4% sobre o valor do veículo. Isso significa que os paulistas arcam tanto com altos impostos quanto com tarifas de pedágio elevadas, ao passo que em estados com menor quantidade de concessões, os motoristas não enfrentam esse duplo encargo financeiro.
IPVA nada sustentável
O modelo atual de cobrança do IPVA, baseado no valor de mercado do veículo, penaliza quem opta por carros novos e menos poluentes, enquanto beneficia os proprietários de veículos mais antigos, que geralmente têm um impacto ambiental maior. Como o imposto é proporcional ao valor do automóvel, donos de carros novos, frequentemente equipados com tecnologias de eficiência energética e menor emissão de poluentes, acabam pagando mais. Já os veículos com mais de 20 anos, que na maioria dos estados se tornam isentos de IPVA, muitas vezes continuam rodando com tecnologias ultrapassadas e motores menos eficientes, contribuindo significativamente para a poluição e o desgaste ambiental.
Essa distorção fiscal cria um incentivo negativo, desestimulando a renovação da frota e perpetuando o uso de carros mais antigos. Ao contrário de outros países que promovem políticas de incentivo para a compra de veículos novos e sustentáveis, o Brasil mantém um sistema que prioriza a antiguidade do automóvel como critério de isenção, sem levar em conta fatores como o impacto ambiental ou a eficiência energética. Assim, os proprietários de carros mais novos, que ajudam a reduzir a pegada de carbono e a melhorar a qualidade do ar, são os mais onerados, enquanto aqueles que mantêm veículos velhos acabam sendo recompensados com isenção fiscal.
Modelo obsoleto
A falta de uma política de tributação voltada para a sustentabilidade impede que o IPVA atue como um agente de transformação positiva no setor automotivo. Em vez de incentivar a substituição de veículos antigos por modelos mais ecológicos, o sistema atual apenas reforça a permanência de carros obsoletos em circulação. Para promover uma renovação de frota que seja realmente benéfica para o meio ambiente, seria necessário reformular o IPVA, vinculando sua cobrança não apenas ao valor do veículo, mas também ao seu impacto ambiental, com alíquotas menores para carros elétricos e híbridos, por exemplo, e uma cobrança maior para veículos antigos e mais poluentes.
A questão que se impõe, portanto, é: o que fazer com o IPVA no atual cenário de concessões rodoviárias e expansão dos pedágios? Especialistas sugerem que uma reforma tributária poderia repensar a destinação desse imposto. Uma medida seria vincular parte de sua arrecadação à melhoria do transporte público urbano ou à expansão de modais mais sustentáveis, como trens e metrôs. Uma alternativa seria a criação de um fundo específico para subsidiar o transporte coletivo, reduzindo a necessidade de veículos particulares e, consequentemente, os impactos ambientais.
É preciso seguir com propostas
Outra proposta que surge é a revisão do modelo de pedágio, aplicando o princípio do “usuário-pagador” de forma mais justa. O sistema poderia cobrar o IPVA de forma proporcional ao uso efetivo das estradas pedagiadas, em vez de onerar todos os proprietários de veículos igualmente. Em alguns países europeus, os motoristas já pagam pedágios conforme a quilometragem percorrida, tornando a cobrança mais justa. Isso reduziria a sobrecarga de impostos para aqueles que fazem pouco ou nenhum uso dessas vias e redistribuiria melhor os encargos entre os usuários.
A proposta de isenção do IPVA para veículos que circulam exclusivamente em áreas urbanas poderia beneficiar cidades como São Paulo. A cidade recebe diariamente um enorme fluxo de veículos vindos de municípios vizinhos. Esses veículos, embora utilizem a infraestrutura urbana, não contribuem diretamente com os impostos locais. Isso gera um aumento nos custos de manutenção das vias, maior desgaste das ruas e sobrecarga no trânsito. Enquanto os proprietários de veículos registrados na capital continuam pagando IPVA, motoristas de cidades próximas usufruem dos recursos urbanos sem arcar com esses custos. Esse cenário torna ainda mais relevante a discussão sobre um modelo tributário mais justo, que redistribua os encargos de forma equilibrada. É preciso eliminar o ônus sobre os moradores das grandes cidades, que acabam pagando por um uso que é, na maioria, externo.
IPVA e contas públicas
No entanto, qualquer alteração no IPVA enfrenta a dificuldade de equilibrar as contas públicas. Para muitos estados, o imposto representa uma parte significativa da receita, e a eliminação ou redução dele precisaria ser compensada de alguma forma. O desafio, portanto, consiste em encontrar um modelo que seja justo tanto para os motoristas quanto para os cofres públicos.
Em um cenário ideal, a tributação sobre os veículos deveria refletir não apenas o uso das estradas, mas também incentivar práticas mais sustentáveis, como a eletrificação da frota ou o uso compartilhado de carros. Países como Noruega e Alemanha têm avançado nesse sentido, ao reduzir impostos para veículos elétricos e fomentar o transporte coletivo. Enquanto isso, o Brasil se depara com a complexidade de sua malha rodoviária e a disparidade entre as regiões. Isso torna repensar o IPVA e sua função no atual contexto uma tarefa urgente.
A discussão sobre o futuro do IPVA, portanto, não deve se limitar ao dilema entre pedágio e imposto, mas sim considerar as mudanças necessárias para promover um sistema de transporte mais justo, acessível e sustentável. Afinal, em um país onde os custos de deslocamento já são altos, a dupla cobrança sobre os motoristas parece cada vez mais destoante das necessidades atuais e das possibilidades de evolução tecnológica e estrutural que se abrem para o futuro.