“Abin Paralela” usou software israelense para espionar brasileiros

0
68
ABIN

“Abin Paralela” usou software israelense para espionar brasileiros. Uma investigação da Polícia Federal revelou que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro utilizou tecnologia israelense para espionar ilegalmente dezenas de milhares de brasileiros. O esquema, conhecido como “Abin Paralela“, operou entre 2018 e 2021 e teve como alvos jornalistas, políticos de oposição, advogados e até ministros do Supremo Tribunal Federal.
O relatório final da PF, cujo sigilo foi derrubado pelo STF, aponta que mais de 60 mil buscas de localização de celulares foram realizadas sem autorização judicial. Segundo os investigadores, o próprio Bolsonaro comandava a estrutura criminosa, articulada por seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro.

Software israelense no centro do escândalo

A ferramenta central do esquema era o FirstMile, um software de geolocalização desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (antiga Verint). O sistema, adquirido pela Abin no final de 2018, explora vulnerabilidades nas redes de telefonia para rastrear aparelhos celulares em tempo real.
“Bastava ter o número do telefone para localizar qualquer pessoa. Não era necessário infectar o celular com malware”, explicou uma fonte da investigação, que preferiu não se identificar.
O FirstMile foi usado até maio de 2021, quando a troca de governo interrompeu as atividades da estrutura paralela. Durante esse período, a ferramenta serviu para monitorar adversários políticos e obter informações privilegiadas para manter o poder, segundo a PF.

Cooperação que virou espionagem

A chegada da tecnologia israelense ao Brasil não foi casual. Em março de 2019, os dois países assinaram um acordo de cooperação em segurança pública, facilitando o intercâmbio de tecnologias e informações. O acordo foi aprovado pela Câmara dos Deputados somente em 2023.
Além do FirstMile, o governo Bolsonaro também negociou a compra do controverso spyware Pegasus, da NSO Group. Embora a aquisição não tenha se concretizado, as tratativas revelam o interesse em capacidades de vigilância avançadas.
“A aproximação ideológica entre Bolsonaro e Israel criou um ambiente favorável para essas empresas”, avalia um especialista em segurança digital que acompanhou as negociações.

Mais de 30 indiciados

A operação da PF indiciou mais de 30 pessoas envolvidas no esquema. Entre os crimes investigados estão organização criminosa, interceptação ilegal de comunicações e abuso de poder.
Os alvos da espionagem incluíam:

  • Jornalistas de veículos críticos ao governo;
  • Políticos de oposição;
  • Advogados de causas sensíveis;
  • Ministros do STF;
  • Servidores públicos considerados “desleais”.

Risco à soberania nacional

Para especialistas, o caso expõe vulnerabilidades graves na soberania digital brasileira. “Dependemos de tecnologias estrangeiras para vigilância, operadas por empresas com laços estreitos com seus governos”, alerta um pesquisador em cibersegurança.
O relatório da PF não esclarece se os dados coletados pelo FirstMile ficavam armazenados somente no Brasil ou se a Cognyte poderia acessá-los de Israel. “Isso significa que informações sensíveis de brasileiros podem ter vazado para uma potência estrangeira”, avalia o especialista.

O que revelam as investigações

A Polícia Federal conclui que o caso Abin Paralela demonstra os perigos de cooperações em segurança sem controles democráticos adequados. O episódio levanta questões sobre a importação de tecnologias sensíveis de países com interesses geopolíticos próprios.
A Cognyte informou em nota que “coopera com autoridades quando solicitada e opera nos marcos legais dos países onde atua”.

Esta reportagem foi baseada em documentos da Polícia Federal, fontes do governo e análise de acordos internacionais disponíveis publicamente.

Deixe uma resposta