VLT no Centro de SP: Inviabilidade e Peso do Subsídio Municipal

VLT Rio de Janeiro (Foto: Marco Antonio Portugal)
O VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) no centro de São Paulo, tem sido um projeto amplamente divulgado como uma solução moderna para a mobilidade urbana e um catalisador para a revitalização da região. No entanto, o projeto é controverso, com sua viabilidade notadamente comprometida. Por trás das promessas de um transporte eficiente e sustentável, reside uma questão crucial que merece especial atenção: a inviabilidade financeira do empreendimento, diante a inevitável necessidade de subsídio por parte da prefeitura.
Esse cenário não muito diferente do projeto do novo centro administrativo do governo do estado de São Paulo, também localizado na região central da cidade. No entanto, este projeto ainda não teve seu estudo de viabilidade divulgado publicamente. Os números, bastante elevados, aumentam a preocupação quanto ao risco financeiro para os cofres públicos do estado. Tanto o VLT quanto o centro administrativo são considerados apostas “salvadoras” para revitalizar o centro de São Paulo, mas nenhum deles oferece garantias de que alcançarão esse objetivo.
O Projeto do VLT: Números e Projeções
O “Bonde São Paulo”, como tem sido batizado, prevê a implantação de duas linhas de VLT, totalizando 12 quilômetros de extensão, com 27 estações interligando importantes pontos do centro da cidade, incluindo terminais de ônibus, estações de metrô e da CPTM (trem). Esse projeto possui um custo estimado para a construção entre R$ 3,8 bilhões e R$ 4 bilhões. A previsão é que as obras se estendam por aproximadamente três anos, com a primeira parte sendo entregue aos usuários em 2029.
A expectativa é que o VLT transporte cerca de 134 mil a 135 mil passageiros por dia. Para tanto, a tarifa da passagem deverá ser a mesma do ônibus (atualmente R$ 5), havendo integração com o Bilhete Único.
A Questão do Subsídio: Um Indicador de Inviabilidade do VLT
Um dos pontos mais sensíveis e um forte indicador de inviabilidade do projeto é o modelo de concessão com subsídio público. O VLT será operado sob o regime de Parceria Público-Privada (PPP) do tipo patrocinada. Isso significa que a prefeitura de São Paulo terá que subsidiar a diferença entre o custo operacional do sistema e a receita gerada pela venda de passagens.
De acordo com estudos, o custo operacional anual do VLT deverá variar entre R$ 100 milhões e R$ 140 milhões. Em contrapartida, a receita tarifária anual esperada é de R$ 80 milhões a R$ 100 milhões. Essa diferença, que pode chegar a R$ 60 milhões anuais, terá que ser coberta pelos cofres municipais. Além disso, a prefeitura bancará 70% do custo de construção, buscando acordo e convênio com o governo federal para viabilizar as despesas, enquanto os 30% restantes virão do setor privado.
A necessidade de subsídio, por si só, não é incomum em sistemas de transporte público, que muitas vezes são considerados serviços essenciais e, portanto, não visam lucro. No entanto, a magnitude do investimento inicial, que poderá ser de R$ 2,8 bilhões (considerado 70% da prefeitura) e a projeção de um déficit operacional significativo desde o início (até R$ 60 milhões anuais) levantam sérias dúvidas sobre a sustentabilidade financeira do projeto.
Em termos técnicos, um projeto que não consegue gerar receita suficiente para cobrir seus custos operacionais, dependendo de aportes contínuos do poder público, pode ser classificado como economicamente inviável. O subsídio, nesse contexto, torna-se uma premissa para a existência do serviço, transferindo todo o risco e custo financeiro para o contribuinte municipal.
Viabilidade em Debate: Benefícios vs. Custos
Os defensores do projeto argumentam que o VLT trará inúmeros benefícios para o centro de São Paulo, como a melhoria da mobilidade, a redução da dependência do transporte individual motorizado, a diminuição da emissão de poluentes e a requalificação urbana da região. A expectativa é que o VLT contribua para a valorização de imóveis, atraia novos investimentos e dinamize o comércio local, especialmente em áreas como a Luz, que buscam revitalização.
No entanto, críticos apontam que o alto custo de implantação e a dependência de subsídios podem comprometer a saúde financeira do município, desviando recursos que poderiam ser aplicados em outras áreas prioritárias. A experiência de outros projetos de VLT no Brasil e no mundo mostra que a rentabilidade nem sempre é alcançada, e o subsídio se torna uma constante. A questão central é se aposta que os benefícios urbanísticos e sociais justificarão o pesado investimento e o compromisso financeiro contínuo da prefeitura, especialmente quando a própria necessidade de subsídio já aponta para uma fragilidade econômica intrínseca ao modelo proposto.
Outras opções estratégicas
Essa aposta é alta. O centro de São Paulo, bastante deteriorado por décadas de abandono, coleciona centenas de edifícios esvaziados. Esses edifícios, na situação em que se encontram, dificilmente se mostram competitivos frente as atuais ofertas, mais modernas e prontas, mesmo que localizadas em pontos extremos da cidade. Ou seja, as apostas em soluções como Berrini e Faria Lima feitas há décadas, hoje, mostram o contrapeso amargo da dificuldade de viabilizar a reocupação do centro de São Paulo.
Considerar o VLT como “canalizador” de uma reocupação da região central ainda é incerto e, portanto não deve ser considerado como um elemento de contrapartida. O Rio de Janeiro, que fez, no passado, uma aposta similar no VLT, pode ser um bom estudo de caso para São Paulo.
VLT Rio de Janeiro e ônibus elétrico
No Rio de Janeiro, o VLT Carioca foi implantado para integrar a região portuária, com 28 km de extensão e 27 estações (capacidade de até 300 mil passageiros por dia). O serviço é bem avaliado – 88% dos usuários o consideram “bom” ou “muito bom”. Ainda assim, o centro do Rio segue em crise: cerca de 45% de lojas e escritórios da região central estão vazios desde 2020. Ou seja, embora o VLT melhore a mobilidade (e tenha aprovação alta), ele não foi suficiente para reocupar o centro por si só. Por isso, a prefeitura carioca lançou o plano “Reviver Centro” (2023) que permite novos usos nesses prédios ociosos – por exemplo, conversão em moradias ou usos mistos – como complemento às intervenções de transporte.
Em São Paulo, a eletrificação da frota avança sem a necessidade de trilhos. Com a entrega de 120 novos ônibus elétricos em 2025, a cidade saltou de 460 veículos zero emissão em 2024 para cerca de 640 ônibus a bateria (somados a 201 trólebus, totalizam 841 ônibus elétricos). Esse crescimento de 70% na frota elétrica (de 460 para 789) significa ganhar capilaridade por meio das vias já existentes.
Os ônibus a bateria podem ser até quatro vezes mais eficientes energeticamente que os diesel. Além disso, modos rodoviários de alta capacidade, como corredores BRT (Bus Rapid Transit) ou veículos sobre “trilhos virtuais” (ART), têm custo de implantação menor que VLT. Em vez de empregar cerca de R$ 4 bilhões para 12 km de trilhos no centro (projetados para ~134 mil passageiros/dia), São Paulo pode expandir rapidamente linhas de ônibus elétricos em corredores dedicados, exigindo investimentos muito menores em infraestrutura pesada.
Além disso, outras estratégias complementares ajudam a requalificar o centro urbano. São Paulo já conta com corredores BRT consolidados (por exemplo, a Radial Leste) e uma extensa rede de trólebus: 168 km de rede aérea que atendem 201 veículos elétricos. A manutenção dessa rede custa cerca de R$ 20 milhões por ano, o que poderia justificar modernizá-la (por exemplo, adaptando híbridos elétricos – “e-trolleys” – que carregam parte do trajeto na rede aérea e parte por bateria). Empregar e aprimorar essa infraestrutura de eletrificação existente, aliado a incentivos urbanísticos (como uso misto de solo e retrofit de prédios), pode ter efeito mais imediato e econômico do que apostar somente no VLT. Em resumo, soluções como ônibus elétricos sobre BRT/ART e políticas de reuso do solo apresentam vantagens de custo e flexibilidade, servindo de alternativa ao pesado e incerto investimento em trilhos.
Transparência e Debate Necessários
O projeto do VLT no centro de São Paulo representa um investimento de grande porte, considerado uma aposta para transformar a dinâmica da região. Contudo, a discussão sobre sua viabilidade não pode se limitar aos supostos benefícios esperados. É fundamental haver total transparência sobre os custos totais, incluindo o aporte inicial e os subsídios operacionais projetados, e que a população seja informada sobre o impacto desses valores no orçamento municipal. Além disso, deve haver maior certeza na efetividade do projeto em viabilizar a região central, pois, do contrário, além de frustrada essa expectativa primordial, isso acarretará um VLT que circulará vazio, portanto, prejudicando ainda mais o já frágil modelo econômico apresentado.
De antemão, o projeto se demonstra inviável. Somente com uma análise aprofundada e imparcial será possível determinar se o VLT poderá ser, de fato, uma solução viável e benéfica para a cidade. Do contrário, se tornará mais um projeto que onerará os cofres públicos sem entregar os resultados prometidos, com a necessidade de subsídios contínuos como um sinal de alerta para sua real inviabilidade econômica.
A proposta de implantação do VLT no centro de São Paulo precisa ser analisada com responsabilidade técnica e visão de longo prazo, e não como mais uma “modinha” de obras associadas a gestões políticas em busca de legado visual ou de impacto imediato. A história recente da urbanização brasileira já nos oferece exemplos suficientes dos riscos dessa lógica, como ocorreu com a proliferação de pontes estaiadas — muitas vezes desproporcionais à demanda local e descoladas de um plano efetivo de mobilidade — e, em décadas anteriores, com os chamados portais de entrada das cidades, estruturas dispendiosas e simbólicas, porém de utilidade pública duvidosa. Projetos como o VLT, com alto custo de implantação e operação, não podem ser justificados somente por seu apelo estético ou pelo desejo de replicar modelos estrangeiros, sob risco de se transformarem em monumentos ao desperdício de recursos públicos. É preciso assegurar que qualquer investimento público esteja fundamentado em diagnósticos técnicos consistentes, e no caso, articulado a uma estratégia abrangente de requalificação urbana e, sobretudo, comprometido com os reais interesses da população.