Tempestade solar e o risco às redes elétricas: Brasil ameaçado

TEMPESTADE SOLAR

Uma tempestade solar pode afetado Portugal e Espanha com um apagão em proporções sem precedentes. Desde ontem (28), a Europa voltou a discutir os riscos das tempestades solares para as redes elétricas após o apagão que atingiu simultaneamente Portugal e Espanha. Embora as causas ainda estejam sob investigação. Uma hipótese levantada por especialistas é o impacto de eventos geomagnéticos relacionados a tempestades solares, capazes de induzir correntes no solo e nos cabos de transmissão, comprometendo o equilíbrio da rede elétrica.

Agora, surge um alerta também ao Brasil: diante da dependência crescente de sistemas interligados e tecnológicos, como o país pode estar imune a essa ameaça global?

Como funciona o impacto de uma tempestade solar nas redes elétricas?

Tempestades solares são fenômenos resultantes de ejeções de massa coronal, que liberam partículas carregadas e intensificam campos magnéticos na atmosfera terrestre. Essa atividade pode induzir correntes geomagneticamente induzidas (GICs) em condutores longos, como linhas de transmissão, oleodutos e cabos submarinos. O resultado? Perturbações na rede elétrica, flutuações de tensão e até danos permanentes em transformadores críticos.

Relatos recentes indicam que eventos desse tipo podem provocar “flutuações fracas na rede elétrica” e até afetar satélites e comunicações, mesmo em escala moderada. Uma tempestade mais forte, classificada como nível 4 ou 5, poderia causar falhas generalizadas, segundo estudos técnicos.

A matriz energética de Portugal e Espanha

Em 2024, Portugal e Espanha consolidaram-se como líderes na transição energética na Europa, alcançando marcos significativos na incorporação de fontes renováveis em suas matrizes elétricas. Portugal destacou-se ao atingir um recorde, com 71% de seu consumo elétrico proveniente de fontes renováveis, totalizando 36,7 TWh de produção limpa. Esse desempenho foi impulsionado por condições climáticas favoráveis e pelo crescimento das instalações renováveis, especialmente nas áreas de energia hídrica e eólica, que contribuíram com 28% e 27% do consumo, respectivamente. A energia solar fotovoltaica também teve um papel relevante, representando cerca de 10% do consumo, enquanto a biomassa respondeu por 6%. A produção a gás natural, por sua vez, caiu para 10% do consumo, o valor mais baixo desde 1979, refletindo uma redução de 56% na geração elétrica a partir desse combustível fóssil. Além disso, Portugal aumentou em 8% sua capacidade instalada de energias renováveis em 2024, com destaque para as novas centrais solares fotovoltaicas, que representaram 86% desse aumento.

Espanha, por sua vez, alcançou um marco histórico ao gerar 56,8% de sua eletricidade a partir de fontes renováveis, estabelecendo um novo recorde nacional. A energia eólica liderou o mix energético, contribuindo com 23,2%, seguida pela energia nuclear, com 20%, e pela solar fotovoltaica, com 17%. A capacidade instalada total do país atingiu 129 GW, dos quais 66% são provenientes de fontes renováveis. Esse avanço permitiu uma redução de 16,8% nas emissões de CO₂ relacionadas à produção elétrica, atingindo um mínimo histórico. Contudo, em 28 de abril de 2025, o país enfrentou um apagão massivo devido à perda repentina de 15 GW do fornecimento elétrico, o que interrompeu 60% da eletricidade nacional por cinco segundos. Esse incidente reacendeu o debate sobre a viabilidade do fechamento das centrais nucleares espanholas, programado para ser concluído até 2035.

Ambos os países demonstram um compromisso sólido com a descarbonização e a sustentabilidade energética. Portugal almeja alcançar a neutralidade carbônica até 2045 e estabelecer uma meta de 93% de eletricidade renovável até 2030. Espanha, por sua vez, planeja que 81% de sua eletricidade seja gerada por fontes renováveis até o final da década, conforme seu ambicioso plano climático e energético.

Contudo, a integração digital e física entre geradores, redes de transmissão e consumidores exige alta conectividade e sincronização, tornando-as particularmente vulneráveis a distúrbios súbitos, como os provocados por tempestades solares. Além disso, ambas as nações mantêm interconexões significativas com a França e Marrocos, multiplicando os riscos de colapso sistêmico em caso de falha regional.

O apagão ocorrido em abril mostrou fragilidades nessa arquitetura complexa. Oscilações na rede provocaram perda de sincronismo entre sistemas, gerando cortes sucessivos e interrupções em grande escala — algo compatível com impactos esperados em cenários de GICs.

E o Brasil? Como sua matriz energética pode estar exposta?

O Brasil possui uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com mais de 80% de fontes renováveis, lideradas pela energia hidrelétrica (64%), seguida por eólica (12%), solar (10%), biomassa (9%) e termelétricas (5%). Apesar dessa vantagem ambiental, nossa infraestrutura de transmissão é vasta, complexa e centralizada.

Mais de 70% da energia brasileira é transmitida via linhas de alta tensão acima de 230 kV, muitas delas cruzando grandes distâncias — especialmente no escoamento da energia das usinas do Norte e Nordeste para o Sudeste, onde está concentrado o maior consumo. Linhas de transmissão longas são alvos potenciais de GICs, por atuarem como antenas naturais para correntes induzidas pelo campo magnético terrestre durante tempestades solares.

Além disso, o Sistema Interligado Nacional (SIN) é altamente sincronizado. Um problema grave em uma subestação-chave pode se propagar rapidamente, como ocorreu em diversos apagões históricos no país, como o de novembro de 2009, que deixou praticamente todo o Norte e Nordeste sem energia.

Medidas preventivas adotadas no mundo e o que o Brasil precisa fazer

Na Europa, países como Finlândia, Suécia e Reino Unido já incorporaram protocolos específicos para monitorar e mitigar efeitos de tempestades solares. Isso inclui instalação de equipamentos de bloqueio de GICs, redes de monitoramento espacial e sistemas de alerta precoce baseados em satélites e estações geofísicas.

Em Portugal e Espanha, os governos têm anunciado revisões emergenciais de segurança energética, ampliação do armazenamento de energia e reforço nas interligações regionais para evitar falhas em cascata. Há também discussões sobre descentralizar parte da geração, promovendo micro-redes autossuficientes em áreas estratégicas.

Já no Brasil, embora haja monitoramento do Serviço de Proteção Radiológica e Nuclear (CNEN), não há políticas públicas específicas nem investimentos robustos em proteção contra eventos geomagnéticos. A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) não inclui GICs como critério obrigatório nos padrões de operação do SIN.

Diante dos riscos crescentes, especialistas brasileiros alertam para a necessidade de:

  • Investimento em sensores de monitoramento espacial e redes inteligentes;
  • Desenvolvimento de sistemas de bloqueio de GICs em subestações estratégicas;
  • Criação de protocolos de resposta a emergências climáticas espaciais;
  • Incentivo a micro-redes e geração distribuída, especialmente em áreas remotas e críticas.

Ameaça real, preparação urgente

Embora o Brasil esteja em latitude tropical — tradicionalmente considerada menos propensa aos efeitos das tempestades solares —, a extensão e a configuração das nossas linhas de transmissão elevam o risco de impactos indiretos. O caso de Portugal e Espanha serve como um exemplo urgente: nenhum sistema moderno está imune a fenômenos cósmicos.

Enquanto isso, a atual administração federal ainda carece de uma agenda clara de resiliência energética frente a catástrofes não convencionais. Se não agirmos agora, poderemos enfrentar consequências severas em um futuro próximo, talvez até antes do que imaginamos.

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