Reforma tributária: O fim do imposto de renda é viável?

REFORMA TRIBUTÁRIA

A reforma tributária é um tema constante no debate econômico brasileiro. Recentemente, uma proposta de lei para extinguir o imposto de renda no país reacendeu a discussão sobre a viabilidade de um sistema tributário sem essa arrecadação fundamental. Seria essa ideia uma utopia distante ou uma possibilidade real para o futuro do Brasil? Para responder a essa questão, é preciso analisar o contexto nacional, o desafio da sonegação fiscal e, sobretudo, observar como outros países, com realidades econômicas semelhantes, lidam com a tributação sobre a renda.

O que propõe o projeto de lei

No cenário político brasileiro, o Projeto de Lei 4329/2025 visa extinguir e até mesmo proibir a cobrança do imposto de renda tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas. A proposta, que tem gerado intenso debate, argumenta que esse tributo desestimula a produção e enfraquece a formalidade, além de cercear a liberdade econômica dos cidadãos. Segundo a deputada autora do projeto, o Estado, ao cobrar imposto de renda, trata o contribuinte como um “suspeito”, o que seria prejudicial ao desenvolvimento econômico do país. A deputada também cita a Curva de Laffer, uma teoria econômica que sugere que, a partir de um certo ponto, o aumento das alíquotas de impostos pode, na verdade, reduzir a arrecadação total do governo, como um dos pilares para sua argumentação.

A tramitação desse projeto na Câmara dos Deputados coloca em pauta a necessidade de uma ampla reforma tributária, que vá além de simples ajustes e promova uma reestruturação completa do sistema fiscal brasileiro. A discussão sobre a reforma tributária é complexa e envolve diversos setores da sociedade, com impactos significativos na economia e na vida dos cidadãos.

O peso do imposto de renda no Brasil

O imposto de renda, tanto para pessoas físicas quanto jurídicas, representa uma parcela significativa da arrecadação federal no Brasil. Ele é um dos pilares que sustentam o financiamento de serviços públicos essenciais, como saúde, educação, segurança e infraestrutura. A sua extinção, sem uma fonte de receita substituta equivalente, poderia gerar um colapso nas contas públicas e comprometer a capacidade do Estado de prover esses serviços básicos à população.

A reforma tributária, nesse contexto, precisa considerar não apenas a simplificação do sistema, mas também a manutenção da capacidade de arrecadação para garantir a continuidade das políticas públicas. A discussão sobre o imposto de renda no Brasil é intrínseca à sua função social, que vai além da mera arrecadação. Ele também é um instrumento de redistribuição de renda, buscando uma maior justiça social ao tributar mais quem ganha mais.

Portanto, qualquer alteração profunda em sua estrutura exige um debate aprofundado sobre os impactos sociais e econômicos, e como a reforma tributária pode equilibrar a necessidade de arrecadação com a busca por um sistema mais justo e eficiente.

Sonegação fiscal e o desafio da fiscalização

A discussão sobre a extinção do imposto de renda no Brasil ganha uma camada adicional de complexidade quando se considera o cenário da sonegação fiscal e a eficácia da fiscalização. No Brasil, a sonegação de impostos é um problema crônico que desvia bilhões de reais anualmente dos cofres públicos.

Estimativas variam, mas estudos apontam que o país perde centenas de bilhões de reais por ano devido à evasão fiscal, um montante que poderia ser investido em serviços públicos e infraestrutura. Essa realidade gera um ciclo vicioso: a carga tributária recai de forma mais pesada sobre os contribuintes que cumprem suas obrigações, enquanto muitos outros, que poderiam contribuir, se beneficiam da fragilidade da fiscalização ou da complexidade do sistema para sonegar. Isso alimenta a percepção de que “poucos pagam por muitos que deixariam de pagar por sonegarem”, minando a confiança no sistema tributário e na própria capacidade do Estado de arrecadar.

A Receita Federal tem avançado em métodos de fiscalização, utilizando tecnologia e cruzamento de dados para identificar irregularidades, mas o volume da sonegação ainda é um desafio imenso. A reforma tributária, portanto, não pode se limitar a discutir a existência ou não do imposto de renda, mas deve também abordar de forma contundente a necessidade de um sistema mais simples, transparente e com mecanismos de fiscalização mais robustos, que desestimulem a sonegação e garantam que todos contribuam de forma justa para o financiamento do Estado.

A complexidade da legislação atual é frequentemente apontada como um dos fatores que facilitam a evasão, tornando a simplificação um caminho importante para combater esse problema.

Exemplos internacionais: Países similares ao Brasil

Para entender a viabilidade de uma reforma tributária que elimine o imposto de renda, é crucial observar a experiência de países com PIB per capita similar ao do Brasil. O PIB per capita do Brasil, em 2024, girou em torno de US$ 9.500 a US$ 10.800. Ao analisar nações com indicadores econômicos próximos, percebe-se que a maioria mantém o imposto de renda como um componente vital de sua estrutura fiscal.

O México, por exemplo, com um PIB per capita de aproximadamente US$ 10.300, possui um sistema de imposto de renda com alíquotas progressivas, onde a tributação aumenta conforme a renda. A Turquia, com um PIB per capita em torno de US$ 10.600, também adota um modelo similar, com alíquotas progressivas para a renda pessoal. A Rússia, cujo PIB per capita se aproxima de US$ 11.600, embora tenha uma alíquota de imposto de renda relativamente baixa e fixa para a maioria dos rendimentos, ainda assim o mantém como parte de sua arrecadação.

Esses exemplos demonstram que, mesmo em economias em desenvolvimento ou emergentes, o imposto de renda é uma ferramenta consolidada para a arrecadação e para a promoção de alguma equidade fiscal. A reforma tributária nesses países, quando ocorre, geralmente foca em ajustes de alíquotas, simplificação ou combate à evasão, e não na sua completa erradicação.

A manutenção do imposto de renda nesses contextos sugere que ele é visto como um mecanismo indispensável para a sustentabilidade das finanças públicas e para o financiamento de serviços essenciais à população. A experiência internacional, portanto, oferece um contraponto importante à ideia de uma reforma tributária radical que elimine o imposto de renda.

Sonegação e fiscalização em países similares

Ao analisar a sonegação fiscal e a fiscalização em países com PIB per capita similar ao Brasil, como México, Turquia e Rússia, observa-se que o desafio da evasão fiscal é uma realidade global, embora com diferentes níveis de intensidade e abordagens de combate. No México, por exemplo, a sonegação é um problema reconhecido, e o governo tem implementado medidas para combatê-la, incluindo a criminalização de certas formas de fraude fiscal. A fiscalização é realizada pelo Serviço de Administração Tributária (SAT), que busca modernizar seus métodos e aumentar a eficiência na arrecadação.

Na Turquia, a evasão fiscal também é uma preocupação, e o país tem buscado fortalecer seu sistema tributário e os mecanismos de fiscalização, inclusive por meio de acordos internacionais para evitar a dupla tributação e combater a fraude. A Rússia, por sua vez, tem sido notável por seus esforços no combate à sonegação, utilizando tecnologias avançadas, como inteligência artificial, para cruzar dados e identificar irregularidades, o que resultou em uma redução significativa da evasão fiscal em alguns setores.

A Argentina, outro país com PIB per capita próximo ao do Brasil, também enfrenta desafios consideráveis com a sonegação, e o debate sobre a reforma tributária frequentemente aborda a necessidade de ampliar a base de contribuintes e melhorar a fiscalização.

Esses exemplos mostram que, independentemente do modelo tributário adotado, a eficácia da fiscalização e o combate à sonegação são cruciais para a saúde financeira do Estado. A reforma tributária, portanto, não pode ser vista apenas como uma questão de alíquotas ou tipos de impostos, mas também como uma oportunidade para fortalecer os mecanismos de controle e garantir que a carga tributária seja distribuída de forma mais equitativa entre todos os contribuintes, reduzindo a percepção de que “poucos pagam por muitos que deixariam de pagar por sonegarem”.

O modelo dos paraísos fiscais é aplicável?

Existem, de fato, países que não cobram imposto de renda de seus cidadãos, como Mônaco, Bahamas, Emirados Árabes Unidos, Catar, Kuwait, Omã, Bermudas, Brunei, Somália e Vaticano. No entanto, a realidade desses locais é bastante distinta da brasileira. Geralmente, são nações de pequena extensão territorial, com populações reduzidas e, em muitos casos, com fontes de receita muito específicas e abundantes, como a exploração de petróleo e gás, o turismo de luxo ou a atuação como centros financeiros globais.

A ausência de imposto de renda nesses “paraísos fiscais” é uma estratégia deliberada para atrair investimentos estrangeiros e residentes de alta renda, que buscam otimizar sua carga tributária. Contudo, essa estrutura econômica e social é dificilmente replicável em um país do porte e da complexidade do Brasil.

Com uma vasta população, grandes dimensões territoriais e uma economia diversificada, o Brasil depende de uma base tributária ampla para financiar suas necessidades. A reforma tributária, nesse cenário, não pode ignorar a realidade demográfica e econômica do país. A simples eliminação do imposto de renda, sem uma compensação robusta e sustentável de outras fontes, levaria a um déficit fiscal insustentável e à deterioração dos serviços públicos.

Portanto, embora o modelo de países sem imposto de renda seja atraente em teoria, sua aplicabilidade à realidade brasileira é, no mínimo, questionável. A reforma tributária no Brasil, para ser eficaz, precisa de soluções que se adequem à sua escala e às suas demandas sociais.

Conclusão

A proposta de extinguir o imposto de renda no Brasil, embora sedutora, parece mais uma utopia do que uma possibilidade real, considerando a complexidade e as necessidades do país. A experiência internacional de nações com PIB per capita similar ao brasileiro demonstra que o imposto de renda é uma ferramenta fiscal consolidada e essencial para a sustentabilidade do Estado.

Os poucos países que operam sem esse tributo possuem características muito específicas que não se aplicam à realidade brasileira. Além disso, a questão da sonegação fiscal agrava o cenário, pois a simples extinção do imposto não resolveria o problema da evasão, que poderia migrar para outras formas de tributação.

A reforma tributária no Brasil, portanto, deve focar em simplificar o sistema, torná-lo mais justo e eficiente, e, crucialmente, fortalecer os mecanismos de fiscalização para combater a sonegação. O desafio é encontrar um equilíbrio entre a necessidade de financiamento dos serviços públicos e a busca por um ambiente tributário que estimule o crescimento econômico e a justiça social, garantindo que todos contribuam de forma equitativa. A discussão sobre a reforma tributária é contínua e fundamental para o futuro do país.

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