Marcas próprias de governos podem acabar
Marcas próprias de cada gestão de poder executivo, seja ela federal, estadual ou municipal, já não são mais uma novidade.
Há muito tempo que prefeitos, governadores e presidentes da república adotam símbolos gráficos, denominados logomarcas ou apenas marcas, para identidade visual de suas gestões.
Decerto, em muitos casos, torna-se a primeira ação do novo mandatário, divulgada quase sempre por meio de ato solene, cercado de todas as pompas possíveis.
Entretanto, essa ‘tendência’ começa fugir à regra. É o que se percebe agora em 2023, nesse início de mandatos de governos de estado e da presidência.
Histórico das marcas próprias
Desconhece-se uma formalidade histórica para o surgimento das marcas próprias dos governos.
Talvez provavelmente essa necessidade esteja fortemente enraizada com a pretensão do novo mandatário, primeiramente, distinguir-se ‘visualmente’ do seu antecessor.
Contudo, tal pretensão recai sobre uma necessidade primária, tácita, de o mandatário ‘ser reconhecido’ pelo seu governo.
Assim, para onde se ‘olhar’, seja na internet, no papel ou em cartazes e placas, lá estará impressa sua identidade.
Desnecessário frisar que tal ‘caracterização’ possui pretensões que vão desde a valorização da opinião pública até a campanha eleitoral, visando a reeleição ou apoio ao candidato indicado.
De qualquer modo, sem antecipar essa questão, voltemos para história.
Assim, tivemos, salvo o uso de algumas frases associadas a imagens ou tipografias estilizadas como, por exemplo, “Brasil ame-o ou deixe-o” (1964) e “Governo Federal Tudo Pelo Social” (1988), as seguintes marcas a cada governo federal.
Fernando Collor (governo 1990/1992)
Itamar Franco (governo 1992/1994)
Fernando Henrique Cardoso (governo 1995/1998 e 1999/2002)
Lula da Silva (governo 2003/2006 e 2007/2010)
Dilma Rousseff (governo 2011/2014)
Dilma Rousseff (governo 2015/2016)
Michel Temer (governo 2016/2018)
Jair Bolsonaro (governo 2019/2022)
Lula da Silva (governo 2023 – atual)
Casos específicos
Durante cada gestão são criados programas e projetos que igualmente recebem, cada um, suas próprias identidades visuais.
Assim, continuando como exemplo o governo federal, podemos citar dois dos mais conhecidos desses programas, com seus nomes atuais, “Minha Casa, Minha Vida” e o “Bolsa Família”.
Nomes atuais porque foram alterados na gestão anterior, tanto as identidades visuais como também seus nomes.
Assim, passaram a ser chamados, respectivamente, “Casa Verde e Amarela” e “Auxílio Brasil”.
Voltou-se tudo ao que era antes apenas porque essas marcas originam do mesmo interesse politico partidário.
Uma identidade visual que ‘foge’ dessa regra, por enquanto, é a da página Gov.Br.
Trata-de da plataforma digital que unificou todos os mais de 1.600 sites e serviços digitais ligados à administração pública federal.
Sua logomarca mantém inalterada, ao menos até o momento, mesmo tendo sido criada na gestão anterior.
Medida controversa
Evidentemente a marca, por mais bem elaborada que seja, não refletirá na qualidade da gestão do mandatário. Ou seja, no caso, a marca não faz o ‘produto’.
Portanto, além dos gastos com o seu desenvolvimento inicial, há também todo um trabalho de substituição de qualquer impresso ou ambiente virtual que leve a marca anterior. Isso resta controverso.
Lembrando que essas trocas ocorrem, no mínimo, a cada quatro anos.
Engloba-se desde adesivos até impressos gráficos, placas, cartazes, identificação de viaturas, documentos oficiais, entre tantos outros.
Essas medidas recaem, em alguns casos, até mesmo na definição das cores dos prédios públicos e dos ônibus do transporte público.
Nem mesmo a caracterização de viaturas policiais escapa dessas mudanças, sempre controversas.
Foi o que aconteceu em 2019, no governo de João Dória no estado de São Paulo. Questionada e criticada, mesmo assim, a medida seguiu adiante.
Propaganda eleitoral e gastos desnecessários
A única ressalva que se faz sobre o emprego de marcas próprias pelos governantes é a necessidade da sua descaracterização às vésperas de uma eleição.
A Lei n.º 9.504 de 1997 (Lei Eleitoral) estabelece que as marcas deixem de ser utilizadas no mínimo três meses antes do pleito eleitoral.
Com isso, além da substituição em quatro anos, ou em oito anos em caso de reeleição, deve ocorrer também essa ‘troca intermediária’ a cada quatro anos, de tudo que contiver a marca da gestão.
Isso caracteriza ainda mais a questão de se tratar de um costume que leva apenas a gastos desnecessários.
Mudança de conduta
A mudança de conduta deveria vir do próprio mandatário, sem a necessidade da força de uma lei.
Com o início desse ano tivemos também o início de mais uma período de quatro anos de gestão executiva dos governos de estado e da presidência do pais.
No caso da presidência, a marca já fora substituída.
Já em relação aos governos de estado, cerca de um quarto deles utilizam de marcas próprias.
A maioria dos demais estados utiliza do próprio brasão do estado, já sendo um símbolo oficial, sendo associado em alguns casos com o nome do estado, sua sigla ou um slogan.
Promoção pessoal
João Dória, quando prefeito do município de São Paulo, viu-se envolvido em uma questão legal relacionada a marca criada por sua gestão.
Trata-se da marca “Cidade Linda”, que levou o então prefeito a ser indiciado por improbidade administrativa.
O Ministério Público do Estado de São Paulo levou a acusação à justiça, por Dória ter feito o uso indevido da marca (1 coração vermelho com as letras SP) para fazer promoção pessoal.
Projeto de Lei
Trata-se o Princípio da Economicidade, um princípio constitucional (art. 70 da CF), da minimização dos gastos públicos, sem comprometimento dos padrões de qualidade.
Portanto, isso faz questionar, o que esses gastos com marcas próprias de mandatários públicos reverteriam em reais benefícios para os contribuintes?
Afinal, seriam as marcas a fazerem os governos funcionarem?
Acima de tudo, é sabido que cada comando é constituído de modo finito, não perene. Aliás, outro princípio constitucional, o Princípio Republicano (art. 77 e 82).
Portanto, mais uma vez, o mandatário não é dono do governo, o mandatário é o governo por, no máximo, oito anos. Assim, por que impor sua marca sobre algo que não lhe pertence?
O início da justificativa para o Projeto de Lei n.º 4.066/2015, que trata da proibição da criação e utilização de marcas próprias ‘logotipos’ para identificar gestões no âmbito do Poder Executivo, toma por base essa última questão.
“Os Símbolos Nacionais são legalmente os verdadeiros elementos caracterizadores da República. O princípio constitucional da impessoalidade impede que governantes, que sempre são temporários, vinculem sua atividade a uma marca específica. “Governo de Todos”, “Ordem e Progresso”, etc…, são mensagens carregadas de marketing político que devemos escoimar da vida republicana.”
Por fim, o autor dessa proposta, o deputado federal João Gualberto – PSDB/BA, que não está mais em exercício, lembra outro princípio constitucional envolvido, sendo o terceiro, o Princípio da Impessoalidade.
Por certo, mais uma vez, um ‘costume’ que deveria ser extinto, independentemente da força de uma lei específica.