
A gasolina E30 e diesel B15 são as denominações dados a esses combustíveis. Uma decisão recente do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), eleva o teor obrigatório de etanol anidro na gasolina de 27% para 30% (E30) e de biodiesel no diesel de 14% para 15% (B15). Essa medida entrará em vigor em 1º de agosto de 2025. Ainda há incerteza e preocupação entre consumidores e especialistas do setor automotivo. O Ministério de Minas e Energia (MME) justifique as medidas como um passo para a autossuficiência em combustíveis, a redução de emissões de CO₂ e o fortalecimento da indústria dos biocombustíveis. Contudo, a falta de transparência e de estudos técnicos mais abrangentes lenta sérias questões sobre os impactos na frota de veículos e nos direitos do consumidor.
As decisões e a falta de transparência
A aprovação do E30 e do B15 pelo CNPE baseou-se, segundo o governo federal, em estudos do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT) que atestariam a segurança das novas misturas para veículos. No entanto, esses estudos não foram tornados públicos nem submetidos à revisão por órgãos independentes. Reportagens indicam que “testes de viabilidade” foram concluídos em fevereiro de 2025 a pedido do MME, mas sem detalhes sobre sua abrangência ou acessibilidade dos dados. A ausência de consulta pública ou audiência técnica prévia com o setor automobilístico e a sociedade civil é um ponto de grande crítica, ferindo princípios constitucionais como a publicidade, a moralidade e a eficiência da Administração Pública, além do direito à informação e o princípio da precaução ambiental.
Impactos técnicos e econômicos
Especialistas técnicos alertam para graves impactos em veículos não adaptados aos maiores teores de biocombustíveis.
Para a Gasolina (E30):
O aumento do etanol implica maior percentual de água no combustível, o que pode acelerar processos de corrosão interna em componentes vitais como bombas de combustível, bicos injetores, filtros e linhas de alimentação, comprometendo sua durabilidade e desempenho. Fabricantes de peças já manifestaram preocupação, indicando que o etanol é um combustível mais corrosivo e que o E30 impactará o sistema de injeção, resultando em desgaste mais acentuado e falhas prematuras. Além do desgaste, o menor poder calorífico do etanol reduz a eficiência energética, o que significa que motores a gasolina (mesmo os flex) podem exigir maior volume de combustível para a mesma autonomia.
Para o Diesel (B15):
A elevação do teor de biodiesel no diesel, que faz parte da “Lei do Combustível do Futuro”, também gera preocupações. Embora o biodiesel seja uma fonte renovável e menos poluente, o aumento de sua proporção pode impactar diretamente o desempenho dos veículos e a durabilidade dos motores. Alguns especialistas sugerem que o uso de aditivos de alta desempenho se tornará fundamental para garantir a eficiência do combustível e proteger o sistema de injeção, mitigando os efeitos negativos do aumento do biodiesel. A Lei do Combustível do Futuro prevê ainda que a mistura de biodiesel ao diesel poderá atingir 20% até 2030 e, dependendo de estudos técnicos, até 25% a partir de 2031.
Esses fatores implicam um inevitável aumento nos custos de manutenção e consumo de combustível, além de um maior risco de falhas mecânicas, afrontando os direitos básicos do consumidor à saúde, segurança e reparação por vícios em produtos, conforme o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Fundamentação Jurídica e Ações Propostas
Um consumidor, que já havia questionado um fabricante sobre o uso de gasolina com maior teor de etanol, recebeu uma resposta genérica e evasiva. Diante da iminente entrada em vigor do E30, ele reiterou seus questionamentos, solicitando informações técnicas sobre a compatibilidade de seu veículo com o E30, os componentes que podem ser impactados, a atualização do manual de manutenção e as ações de monitoramento e assistência técnica da montadora. Ele também sugeriu que a empresa solicitasse publicamente a suspensão da medida caso identificasse riscos reais.
A decisão do CNPE é vista por muitos como contrária a dispositivos constitucionais e legais. A falta de observância dos princípios da legalidade, moralidade e publicidade no processo decisório, bem como a ausência de participação técnica ou social ampla, são pontos cruciais. Por não divulgar os estudos, sem ter auditoria e pela ausência de consulta, infringiu dever constitucional de proteger o meio ambiente e a saúde dos cidadãos de forma preventiva.
No âmbito consumerista, o CDC exige informação adequada e segurança na oferta de produtos (arts. 6º, 8º e 10º), estabelecendo responsabilidade objetiva do Estado e fornecedores por mudanças que exponham o consumidor a riscos (art. 14). A Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) reforça a possibilidade de defesa judicial de direitos difusos e coletivos, como o meio ambiente equilibrado e a proteção ao consumidor.
Diante desse cenário, já existe apelo ao Ministério Público Federal (MPF) para adotar medidas urgentes, incluindo:
- Instauração de inquérito civil público: Para apurar irregularidades na formulação e aprovação do aumento do teor de etanol e biodiesel, investigando a inobservância de estudos técnicos robustos e a falta de consulta pública.
- Concessão de medida liminar: Para suspender imediatamente a aplicação dos novos percentuais de etanol na gasolina e de biodiesel no diesel até que estudos técnicos conclusivos, auditáveis e validados por entidades independentes sejam apresentados.
- Ajuizamento de Ação Civil Pública: Visando a revogação ou suspensão definitiva das medidas administrativas que aumentaram os teores de biocombustíveis, em observância aos princípios legais e ao interesse público; a indenização ou compensação aos consumidores que sofrerem danos (materiais ou morais) decorrentes das novas composições, nos termos da responsabilidade objetiva prevista no CDC, art. 14, enquanto persistir em vigor; e a realização de uma campanha pública de esclarecimento, orientando consumidores e proprietários de veículos sobre os riscos e procedimentos preventivos relativos à mudança de combustível.
- Manutenção da opção E27: Que minimamente seja mantida no mercado a opção com 27% de etanol na gasolina, permitindo ao consumidor decidir com qual combustível irá abastecer seu veículo.
O que os proprietários de veículos podem fazer a respeito
Diante da iminente mudança e dos potenciais riscos, os consumidores que se sentirem lesados ou preocupados com os impactos do E30 e B15 em seus veículos podem avaliar a possibilidade de tomarem as seguintes medidas para proteger seus direitos:
- Documentar tudo: Manter registros detalhados de todos os problemas relacionados ao veículo após a introdução do E30 ou B15. Isso inclui datas, quilometragem, descrições dos sintomas, fotos e vídeos de falhas ou danos.
- Guardar comprovantes: Notas fiscais de abastecimento, comprovantes de manutenção e reparos, especialmente aqueles relacionados a componentes que podem ser afetados pelos biocombustíveis (sistema de combustível, injeção, etc.).
- Buscar laudos técnicos: Em caso de problemas, procurar uma oficina de confiança e solicitar um laudo técnico detalhado que aponte a causa do problema e, se estaria relacionado ao combustível.
- Comunique-se com a montadora: Entrar em contato com a fabricante do seu veículo por canais oficiais (SAC, e-mail, carta registrada) para relatar os problemas e solicitar esclarecimentos e soluções. Guardar todos os protocolos e registros dessas comunicações.
- Procure o Procon: Caso a montadora não ofereça uma solução satisfatória, registrar uma reclamação formal no Procon de sua cidade ou estado. O Procon pode intermediar a resolução do conflito e, se necessário, aplicar sanções à empresa.
- Considerar ações coletivas: Possibilidade de ingressar com ações civis públicas ou movimentos de associações de consumidores. A união de vários consumidores com o mesmo problema pode fortalecer a causa e aumentar as chances de sucesso.
- Buscar orientação jurídica: Em casos mais complexos ou de danos significativos, consultar um advogado especializado em direito do consumidor para avaliar a possibilidade de uma ação judicial individual ou coletiva.
- Manter-se informado: Acompanhar as notícias e os posicionamentos de órgãos reguladores, associações de classe e entidades de defesa do consumidor sobre o tema E30 e B15.
A questão dos novos teores de biocombustíveis na gasolina e no diesel transcende a esfera técnica, tocando em direitos fundamentais do consumidor e em princípios da administração pública. A transparência e a participação social são cruciais para garantir que as decisões que afetam milhões de brasileiros sejam tomadas com responsabilidade e baseadas em evidências sólidas.