Cidades de 15 minutos: um conceito já explorado

CIDADES 15 MINUTOS

Em 2023, surgiu nas redes sociais o assunto sobre as cidades de 15 minutos.

O debate foi polemizado, e muitos disseram envolver um plano com intenções de cercar os cidadãos em seus distritos e tirar suas liberdades. Há, como sempre, quem acredite ou não.

Mesmo assim, especialistas apontam que a ideia em si não é totalmente nova. Projetos semelhantes foram explorados por urbanistas de diferentes países durante o século XX, e o conceito também foi usado por arquitetos soviéticos.

Conforme tais projetos, o conceito de uma área de estar confortável e com todas as infraestruturas à mão já foi experimentado. 

Cidades de 15 minutos

A proposta de cidade de 15 minutos, foi proposto por Carlos Moreno, professor da Universidade Sorbonne, em 2016. Segundo Moreno, as grandes distâncias das cidades modernas tomam muito tempo das pessoas.

Portanto, seria muito útil se todos pudessem obter tudo o que precisam em 15 minutos a pé ou de bicicleta.

Quando as autoridades de Oxford, na Inglaterra, decidiram implementar sua versão do conceito, as coisas saíram do controle. 

A ideia era instalar filtros de trânsito, câmeras que podem ler as placas dos carros para monitorar o trânsito. Aqueles sem autorização de residência ou uma certa isenção seriam multados. 

O motivo da iniciativa, segundo as autoridades, foi facilitar o funcionamento da rede de ônibus e diminuir os congestionamentos. 

No entanto, os moradores não gostaram da ideia. Alguns até imaginavam que os filtros se tornariam barreiras físicas e os moradores ficariam confinados em seus bairros. 

Conforme, tais relatórios, o plano de Oxford se tornaram virais. A história chegou até mesmo ao autor e psicólogo canadense Jordan Peterson, que escreveu no Twitter: “A ideia de que os bairros devem ser caminháveis ​​é adorável. A ideia de que burocratas tirânicos podem decidir por decreto onde você está “permitido” dirigir é talvez a pior perversão imaginável dessa ideia”. 

Entretanto, outro parlamentar conservador britânico, Nick Fletcher, no que lhe compete, pediu à Câmara dos Comuns que abordasse o “conceito socialista internacional” projetado para “tirar as liberdades pessoais”.

Em entrevista a RT News, Kirill Puzanov, professor associado da Faculdade de Desenvolvimento Urbano e Regional da Escola Superior de Economia de Mosow, a indignação dos cidadãos de Oxford parece muito lógica. “Se você tirar um carro de um motorista, eles estariam protestando, e seria uma reação típica de qualquer cidade”, disse à RT News. “Não há nada de novo no conceito de 15 minutos. Algo semelhante sempre existiu, com o conceito de” bairros monofuncionais” aqui moramos, ali trabalhamos, e outro serve para lazer.”

Uma cidade dentro de Moscou

Na União Soviética, esse lugar para morar, incluindo toda a infraestrutura possível, foi construído para as elites do governo no centro de Moscou. Foi um projeto notável de seu tempo, e o plano em si parece surpreendente até hoje. O destino do projeto foi terrível, por razões políticas.

Em 1918, o governo bolchevique decidiu mudar a capital de Petrogrado (atual São Petersburgo) para Moscou. Este último parecia um lugar mais seguro para as novas autoridades. 

Portanto, não apenas os altos funcionários, mas dezenas de militares do estado tiveram que encontrar um lugar para morar. Acredita-se que o número de funcionários em Moscou tenha aumentado para 281.000 pessoas.

Entretanto, a nova capital havia sido devastada pela revolução. Não havia lugares disponíveis suficientes para abrigar um aparato tão grande. 

Inicialmente, os funcionários do governo viviam no próprio Kremlin, bem como em vários dos principais hotéis, palácios e mansões de Moscou. No entanto, era óbvio que as pessoas precisavam de apartamentos para morar permanentemente. Simultaneamente, a capital precisava de hotéis para turistas.

Em 1927, as autoridades soviéticas decidiram construir uma casa especial para o governo não muito longe do Kremlin. O projeto foi desenvolvido por Boris Iofan, um arquiteto nascido em Odessa que estudou em Roma. 

A construção começou em 1928 e, embora planejada para dois anos, na verdade, durou quatro. Também custou quatro vezes mais dinheiro do que foi inicialmente alocado.

A criação de Iofan não era apenas um bloco de apartamentos, era um complexo autônomo com o máximo de conforto. Os habitantes não tinham com o que se preocupar. 

Todos os 505 apartamentos de luxo tinham água quente, aquecimento central e telefone. Eles tinham piso de madeira com teto pintado e os apartamentos já estavam mobiliados. 

O complexo incluía um café, uma mercearia, uma lavandaria, um jardim de infância, uma barbearia, um ginásio desportivo, uma biblioteca, um posto médico, uma sala de concertos e um cinema. 

Em 1932, mais de 2.700 pessoas habitavam o incrível edifício. Os apartamentos foram designados para altos funcionários, chefes militares, cientistas, escritores e figuras famosas.

Monumento habitado

Entretanto, o prédio da Universidade Estatal de Moscou, uma das famosas “Sete Irmãs”, ou “Arranha-céus de Stalin” tinham como objetivo simbolizar a educação de qualidade soviética com todas as suas conquistas. 

Projetado por Boris Iofan e pelo arquiteto Lev Rudnev, foi concluído em 1953. No interior, havia tudo o que um estudante ou professor poderia precisar: uma sala de concertos, uma sala de jantar, salas de aula e unidades científicas e uma biblioteca. Também foram construídos alojamentos estudantis e apartamentos para o pessoal acadêmico.

Outras duas das Sete Irmãs também foram projetadas como blocos de apartamentos de luxo para cientistas, atletas, atores e cidadãos soviéticos famosos, e contavam com toda a infraestrutura necessária no térreo.

Por exemplo, desenvolveu-se o conceito de “cidades científicas”, que surgiu para apoiar certas instituições de pesquisa. 

A cidade de Obninsk está entre eles. Inaugurado em 1954, é onde uma usina nuclear foi conectada à rede elétrica pela primeira vez no mundo. A mesma ideia está por trás de Dubna, que foi oficialmente inaugurada em 1956 com o Joint Institute of Nuclear Research.

No entanto, é importante mencionar que algumas dessas cidades funcionavam em segredo. Essas cidades “fechadas” precisavam de infraestrutura independente porque era difícil entrar e sair rapidamente do território da cidade.

Vários arquitetos soviéticos imaginaram um futuro onde todos viveriam em um bairro que se assemelha ao atual conceito de cidade de 15 minutos. 

De 1975 a 1982, esse complexo “experimental” surgiu na parte sul de Moscou. Todos os edifícios residenciais foram conectados com estradas subterrâneas. Os estacionamentos também eram subterrâneos, com lava-rápidos construídos nas entradas. 

Pretendia-se que os pátios fossem livres de tráfego, proporcionando acesso desimpedido para veículos de emergência. Lojas e serviços, incluindo lavanderia, localizavam-se nos andares térreos, todos conectados. 

As crianças podiam caminhar até a escola por enormes corredores sem precisar sair de casa. O complexo dispunha ainda de uma rede de gestão de resíduos de vácuo.

Foi planejado que tais distritos surgiriam em diferentes partes da capital soviética. Infelizmente, a construção era muito complicada e a ideia foi descartada.

Conforto ou restrições?

Não é surpresa que algumas ideias, completamente esquecidas no passado, ressurjam ocasionalmente em condições diferentes. 

Recentemente, bloqueios relacionados à Covid forçaram as pessoas a olhar em volta e avaliar o conforto de suas condições de vida. 

Em simultâneo, o medo de restrições inesperadas de movimento agora está profundamente enraizado na mente das pessoas.

“A atual polêmica online sobre as cidades de 15 minutos está relacionado à falta de conscientização. No mundo moderno, as contradições são frequentemente usadas pelos políticos e pela mídia em prol de seus próprios interesses, enquanto os serviços digitais vigiam intensamente os cidadãos. Então, as pessoas podem se assustar com as iniciativas, que afetam o seu dia a dia e que elas não entendem muito bem.”, explica o professor associado Ivan Mitin, da Faculdade de Desenvolvimento Urbano e Regional do HSE. 

“É importante explicar que o conceito de cidades de 15 minutos não deve ser interpretado literalmente. A experiência das cidades da Europa e da Ásia mostra que se trata mais de uma intenção de criar bairros multifuncionais e confortáveis. As pessoas modernas estão sempre fugindo, elas correm do trabalho para casa e voltam. Eles não têm tempo de olhar de perto o bairro onde moram, acham não haver nada de interessante ali e que a diversão só existe no centro da cidade. O exemplo da Moscou moderna é bastante demonstrativo. É importante fazer com que as pessoas sintam a singularidade de seus bairros, para que se torne seu próprio desejo tornar a área circundante o mais confortável possível.”, disse Mitin à RT News. 

Segundo seu colega Kirill Puzanov, o único perigo possível das cidades de 15 minutos é que elas se tornem muito confortáveis. “Nesse caso, as pessoas preferem ficar sempre no bairro, raramente saindo”, explica. “Assim, as grandes cidades perderiam sua diversidade, pois se dividiriam em muitas pequenas.”

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