Audiência pública do Túnel Sena Madureira: Caos e Questionamentos

Auditório do Instituto de Engenharia (Foto: Marco Antonio Portugal)
Uma audiência pública sobre projeto do Túnel Sena Madureira, realizada em 4 de setembro de 2025 no Instituto de Engenharia, transformou-se em um cenário de caos e desorganização, levantando sérios questionamentos sobre a transparência e a efetividade da participação democrática em projetos urbanísticos na cidade. O evento, que deveria ser um espaço para debate técnico e manifestação cidadã, foi marcado por tumultos, interrupções e falhas organizacionais que comprometeram sua finalidade essencial. Este incidente ressalta a complexidade e as tensões em torno de grandes obras de infraestrutura em São Paulo, especialmente aquelas que geram impactos significativos na vida dos moradores e no meio ambiente.
Falhas Organizacionais e o Cenário de Desordem
A escolha do local e a gestão do fluxo de participantes foram apontadas como falhas de planejamento grosseiras. O auditório do Instituto de Engenharia, com capacidade limitada, não teve um controle de acesso adequado, resultando em uma afluência desordenada de pessoas. A ausência de um sistema de inscrições prévias e de uma lista nominal de presentes contribuiu para a formação de aglomerações e o risco de confrontos, impedindo que a audiência pública cumprisse seu papel de informar a população e coletar contribuições qualificadas.
Durante o evento, foram registrados interrupções constantes, gritos, uso de apitos e megafones, vaias e comportamentos intimidatórios por parte de grupos organizados, que impediram a manifestação ordenada dos cidadãos e a apresentação técnica do projeto. Apesar da presença de aparato policial, as medidas para conter a desordem foram simplórias, ao ponto da mesa organizadora sugerir soluções improvisadas e a possibilidade de uma nova audiência, evidenciando a fragilidade do planejamento prévio.
O Projeto do Túnel Sena Madureira
O projeto do Túnel Sena Madureira, que prevê a construção de dois túneis totalizando 1.651 metros de extensão e um orçamento de R$ 531 milhões, tem sido alvo de intensos debates e protestos. A obra visa melhorar a mobilidade urbana na região da Vila Mariana, conectando a Rua Sena Madureira à Avenida Ricardo Jafet, passando por baixo da Rua Domingos de Moraes. No entanto, críticos argumentam que o projeto vai na contramão de um modelo urbanístico mais sustentável, priorizando o transporte individual em detrimento de soluções que incentivem o transporte público e a mobilidade ativa.
Além das questões de mobilidade, o projeto enfrenta forte oposição devido aos seus potenciais impactos ambientais e sociais. Há preocupações com a impermeabilização do solo, o tamponamento de córregos e a derrubada de centenas de árvores, algumas delas centenárias. A obra também ameaça a remoção de famílias de comunidades locais, gerando um grave problema de deslocamento e moradia.
O contrato para a construção do túnel ficou suspenso por 13 anos, No final de 2024, foi retomado como prioridade pela gestão municipal, levantando suspeitas e denúncias de corrupção envolvendo as empresas responsáveis. O Ministério Público já havia recomendado a paralisação das obras devido a essas questões, mas a prefeitura seguiu adiante. No início de 2025 a prefeitura decidiu romper o contrato, rever o projeto e lançar uma nova licitação.
Apresentação técnica esvaziada
A falta de preparo diante do inevitável levanta dúvidas sobre a verdadeira intenção da organização da audiência pública. É inegável que o ambiente se tornaria conturbado por tentativas de protesto, em vez de promover a participação e o debate democrático. No entanto, não houve um planejamento visível para mitigar essa situação. A impressão que fica é de que se permitiu que os acontecimentos tomassem seu curso, como se fossem inevitáveis.
Afinal, o projeto em discussão é realmente vantajoso? Um lado defende radicalmente que não, impondo discursos que vão além do contexto, como o de que o bairro da Vila Mariana deveria assumir o papel de combater a crise climática.

Entretanto, não seria esse um dos benefícios de um túnel viário urbano? Ao diminuir filas de congestionamento e esperas nos semáforos, haveria uma redução na emissão de carbono. No entanto, entre os cartazes levantados por alguns participantes da audiência, estava escrito: “túnel traz poluição”.
Nesse sentido, é possível que os técnicos da prefeitura vissem o evento como um discurso dirigido a surdos. Nada que dissessem poderia convencer um público que já tinha uma opinião formada sobre o assunto. “Não ao túnel.” Esse contexto levanta ainda mais questões sobre a eficácia desse tipo de audiência pública.
Implicações Legais e Administrativas da Audiência Tumultuada
A audiência de 4 de setembro de 2025 foi esvaziada de sua função pública, tornando-se um ato formalmente realizado, mas materialmente inoperante para os objetivos legais de transparência, informação e participação popular no processo decisório urbanístico. As falhas de planejamento, a ausência de controle de acesso, a moderação ineficaz e a tolerância a práticas tumultuárias configuram vícios de forma e de finalidade que afrontam princípios constitucionais e infraconstitucionais que regem a Administração Pública e a participação popular.
O tumulto promovido por grupos organizados deve ser investigado. Há necessidade de identificar os indivíduos que praticaram atos de desordem, intimidação ou violência, visando a responsabilização criminal ou cível. Esse caso deve se tornar emblemático, no que se espera, que a municipalidade implemente um protocolo padrão para futuras audiências públicas, em especial em se tratando de projetos de grande porte, assegurando a participação eficaz da sociedade.
O Futuro da Participação Pública em Debate
O episódio da audiência pública do Túnel Sena Madureira serve como um alerta sobre os desafios da participação democrática em grandes projetos urbanos. A polarização e a desorganização observadas no evento inviabilizaram o debate construtivo, além de minimizarem a confiança da população nos processos decisórios. A apuração dos fatos e a responsabilização dos envolvidos é uma atitude mínima esperada, juntamente com a definição de protocolos mínimos a serem seguidos nesses eventos. A demanda por uma nova audiência, com regras claras e um ambiente propício ao diálogo, é fundamental para garantir que a voz da sociedade seja efetivamente ouvida e que os projetos de infraestrutura sejam desenvolvidos com a devida consideração aos impactos sociais e ambientais, e em conformidade com os princípios da transparência e da eficiência na gestão pública.