Investimento público no centro de SP: Bilhões sem retorno?

“Obra faraônica”
O investimento com o projeto do novo Centro Administrativo Campos Elíseos, em São Paulo, continua a gerar debates intensos e questionamentos sobre sua real viabilidade e os benefícios prometidos. Uma análise aprofundada dos custos envolvidos, da metragem proposta e das métricas de dimensionamento de espaços de escritório, incluindo as diretrizes de Neufert, revela que o investimento estatal pode ser significativamente superior aos custos de aluguel e que a área construída pode ser exagerada em relação à necessidade atual. Esses comparativos reforçam a necessidade do governo revelar os estudos de viabilidade econômica que justifiquem tamanho investimento em algo, em princípio, não prioritário.
O custos de aluguel na região central de São Paulo
Para avaliar a justificativa do investimento no Centro Administrativo Campos Elíseos, é fundamental comparar o custo total do projeto com o que o Estado gastaria mantendo uma estrutura similar com aluguéis. A região central de São Paulo, onde o projeto está inserido, possui um mercado de escritórios com custos variados.
Conforme dados de 2023, o preço médio de aluguel por metro quadrado para escritórios de alto padrão em São Paulo varia, com regiões como Berrini (R$ 90,83/m²), Chucri Zaidan (R$ 96,84/m²), Paulista (R$ 117,38/m²) e Vila Olímpia (R$ 172,48/m²) apresentando valores elevados.
Considerando uma média conservadora de R$ 100,00 a R$ 150,00 por metro quadrado para escritórios de qualidade na região central e adjacências, podemos estimar os custos de aluguel que o Estado teria para acomodar seus funcionários. Essa faixa de preço é representativa para a área e permite uma comparação mais justa com o investimento proposto.
Demanda por espaço e dimensionamento: A perspectiva de Neufert e a realidade do projeto
O governo do estado de São Paulo declara ter aproximadamente 22 mil funcionários na administração pública. Para dimensionar o espaço de escritório necessário, é crucial considerar métricas que otimizem a funcionalidade e o bem-estar. Ernst Neufert, em sua obra “A Arte de Projetar em Arquitetura”, é uma referência mundial em dimensionamento de espaços. Embora suas recomendações variem conforme o tipo de ambiente e a função, a metragem de 6 m² por estação de trabalho é frequentemente citada em seu contexto para áreas de permanência e trabalho individual.
Se aplicarmos a métrica de 6 m² por funcionário, os 22 mil funcionários do Estado demandariam um total de 132.000 m² (22.000 funcionários * 6 m²/funcionário). O projeto do Centro Administrativo Campos Elíseos, no entanto, prevê uma área construída de 250.000 m². Isso representa uma área quase duas vezes maior do que a necessidade calculada com base na métrica de Neufert para estações de trabalho. Mesmo considerando áreas comuns, circulação e espaços de apoio, a diferença é significativa e levanta questionamentos sobre a real necessidade de uma metragem tão elevada.
A justificativa para essa metragem ampliada, como uma possível expansão futura de funcionários públicos, carece de sentido em um cenário de busca por eficiência e otimização de quadros de pessoal. A centralização de órgãos, por si só, não implica necessariamente em um aumento do número de servidores, mas sim em uma melhor gestão dos recursos existentes. Portanto, uma metragem exagerada pode indicar um superdimensionamento do projeto, impactando diretamente nos custos e na eficiência do investimento.
Comparativo de custos: O verdadeiro gasto do Estado
Para uma análise financeira completa, é imprescindível considerar todos os custos divulgados do projeto do Centro Administrativo Campos Elíseos. O investimento total estimado é de R$ 5,435 bilhões para obras e reformas. Desse valor, R$ 3 bilhões são aportados pelo Estado para custear parte dos “bens reversíveis”. Além disso, o Estado se compromete a pagar uma contraprestação pública mensal de até R$ 69.039.844,80 (aproximadamente R$ 69,04 milhões) à concessionária por 30 anos.
É crucial entender que essa contraprestação mensal inclui o custo da infraestrutura e serviços como limpeza, vigilância e portaria. No entanto, para uma comparação justa com o aluguel, devemos isolar o custo principal que se assemelha ao aluguel do espaço, separando-o dos custos de serviços que seriam incorridos de qualquer forma, seja em imóveis alugados ou próprios.
Vamos calcular o custo total do projeto para o Estado ao longo dos 30 anos de concessão:
- Aporte inicial: R$ 3.000.000.000,00
- Contraprestação mensal total: R$ 69.039.844,80
- Contraprestação total em 30 anos (360 meses): R$ 69.039.844,80 x 360 = R$ 24.854.344.128,00
- Custo total do projeto para o Estado em 30 anos: R$ 3.000.000.000,00 + R$ 24.854.344.128,00 = R$ 27.854.344.128,00 (aproximadamente R$ 27,85 bilhões).
Agora, vamos comparar esse valor com o que o Estado gastaria com aluguéis e serviços se mantivesse a estrutura descentralizada. Considerando a necessidade de 132.000 m² (com base em Neufert) e um custo médio de aluguel de R$ 100,00 a R$ 150,00 por metro quadrado na região central de São Paulo:
- Custo mensal de aluguel (mínimo): 132.000 m² x R$ 100,00/m² = R$ 13.200.000,00
- Custo mensal de aluguel (máximo): 132.000 m² x R$ 150,00/m² = R$ 19.800.000,00
- Custo total de aluguel em 30 anos (mínimo): R$ 13.200.000,00 x 360 = R$ 4.752.000.000,00 (aproximadamente R$ 4,75 bilhões)
- Custo total de aluguel em 30 anos (máximo): R$ 19.800.000,00 x 360 = R$ 7.128.000.000,00 (aproximadamente R$ 7,13 bilhões)
O custo total projetado para o Centro Administrativo Campos Elíseos (R$ 27,85 bilhões) é quase quatro vezes superior ao montante acumulado de aluguel em 30 anos (R$ 7,13 bilhões), mesmo considerando o cenário de custo máximo de aluguel. Essa discrepância de aproximadamente R$ 20 bilhões levanta sérias dúvidas sobre a vantajosidade financeira do empreendimento, uma vez que os serviços incluídos na contraprestação mensal seriam despesas recorrentes em qualquer cenário.
Investimento questionável e a necessidade de transparência
A análise dos custos totais do projeto do Centro Administrativo Campos Elíseos, em comparação com os custos de aluguel de escritórios na região central de São Paulo e a metragem necessária segundo as métricas de Neufert, aponta para um investimento financeiramente questionável. O custo total do projeto, que ultrapassa os R$ 27 bilhões em 30 anos, é substancialmente maior do que o que seria gasto com aluguéis para a mesma quantidade de funcionários, mesmo considerando a inclusão de serviços na contrapartida mensal.
Além do aspecto financeiro, a metragem de 250.000 m² para 22 mil funcionários, quando comparada à recomendação de 6 m² por estação de trabalho de Neufert (que resultaria em 132.000 m²), sugere um superdimensionamento do espaço. A justificativa de uma futura expansão de funcionários públicos, sem um plano claro e transparente, não se alinha com a busca por eficiência na administração pública.
É fundamental que o governo do Estado de São Paulo apresente uma justificativa mais robusta e transparente para o projeto, detalhando a composição da contrapartida mensal, os ganhos reais de eficiência que justifiquem o investimento e um plano claro para a utilização da metragem excedente. A população e os órgãos de controle merecem clareza sobre a real necessidade e a vantajosidade de um empreendimento que representa um compromisso financeiro tão expressivo para o Estado. A imparcialidade na análise dos dados é crucial para garantir que decisões de grande impacto sejam tomadas com base em informações sólidas e em benefício do interesse público.