Cracolândia em movimento, agora se espalha por São Paulo

Cracolandia Sao Paulo

A cracolândia, tradicional concentração de usuários de drogas no centro de São Paulo, passou por uma transformação radical na última semana. As ruas que por mais de 30 anos abrigaram centenas de dependentes químicos agora se encontram praticamente vazias. Isso foi resultado de uma operação conjunta entre autoridades municipais e estaduais. Contudo, o problema não desapareceu – somente se redistribuiu pela capital paulista, criando novos desafios para o comércio e a segurança pública em diversas regiões.

Cracolândia esvaziada e dispersão estratégica

O denominado “fluxo” da cracolândia, anteriormente concentrado na Rua dos Protestantes e adjacências, sofreu uma dispersão abrupta nos últimos dias. Segundo relatos de comerciantes e usuários, a saída ocorreu gradualmente durante o final de semana, culminando no domingo (11), quando a área amanheceu completamente vazia.

A Operação Saúde e Dignidade, organizada pelo Ministério Público, Prefeitura e Governo do Estado, desmantelou um ecossistema criminoso que, segundo o promotor de justiça Fabio Bechara, sustentava a existência da cracolândia. “O dependente sempre foi visto como vítima desse processo, explorado em condições análogas à escravidão”, afirmou o promotor.

Cracolândia em novos pontos da cidade

Com a dispersão, os usuários agora se dividem em pequenos grupos espalhados por diferentes pontos da capital. Um mapeamento realizado pela Secretaria de Segurança Pública identificou 72 pontos de aglomeração em diversas regiões. Entre os principais novos focos estão:

  • Praça Marechal Deodoro, no Centro, que concentra o maior número de pessoas
  • Calçada do Bom Prato da Rua General Osório
  • Imediações do Terminal Princesa Isabel
  • Região do Glicério, incluindo áreas sob o Viaduto Tamanduateí
  • Parque Dom Pedro
  • Áreas sob a Praça Roosevelt

Equipes jornalísticas também identificaram novos pontos de concentração em bairros como Vila Campanela e Tatuapé, na Zona Leste, além de Consolação, Bom Retiro, Brás e Vila Buarque, no Centro.

Impactos no comércio e na segurança pública

A migração dos usuários para novas áreas gera preocupação entre comerciantes e moradores, especialmente em regiões nobres como Paulista e Higienópolis, que temem a aproximação dos grupos. Comerciantes relatam que a presença de dependentes químicos em novos pontos já afeta o movimento de clientes e gera sensação de insegurança.

A abordagem das autoridades também tem sido questionada. Usuários e organizações de apoio denunciam agressões durante o processo de dispersão. “Eles chegaram agredindo e jogaram na parte de trás das viaturas. Falavam que iam matar a gente”, relatou um dependente químico, que apresentava hematomas que atribuiu a balas de borracha disparadas por guardas-civis metropolitanos.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo informou que está apurando os relatos para tomar as medidas cabíveis, enquanto a Prefeitura e o Governo Estadual afirmam não tolerar desvios de conduta por parte dos agentes de segurança.

Autoridades divergem sobre estratégias

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) demonstrou surpresa com a queda vertiginosa do número de usuários e atribuiu parte do resultado à operação na Favela do Moinho, que teria afetado o fornecimento de drogas na região. Já o vice-prefeito Coronel Mello Araújo celebrou o esvaziamento como um avanço, afirmando em redes sociais que o “fluxo está quase zerado”.

Entretanto, especialistas e organizações que atuam com dependentes químicos alertam que a simples dispersão não resolve o problema.

Pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas estão utilizando a experiência do Centro de São Paulo para criar uma ferramenta tecnológica capaz de alertar o poder público sobre o surgimento de novas cracolândias pelo país. “O benefício é a antecipação”, afirma João Luiz Becker, coordenador do FGV Analytics.

Enquanto isso, a cidade de São Paulo enfrenta o desafio de lidar com um problema que, longe de ser solucionado, somente mudou de endereço, exigindo novas estratégias de abordagem que conciliem saúde pública, segurança e respeito aos direitos humanos.

Deixe uma resposta