Notificações atrasadas podem cancelar multas de trânsito

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TRÂNSITO

Os radares fotográficos de trânsito estão cada vez presentes em maior número nas grandes cidades.

A presença em todo lugar fez com que ganhassem até um apelido ‘carinhoso’, sendo chamados de ‘pardais’.

Os registros das penalidades flagradas pelos ‘pardais’ ocorre eletronicamente.

Portanto, o registro é efetuado sem a presença de um agente de trânsito e sem a identificação do condutor.

Notificação do condutor

A emissão do Auto de Infração de Trânsito (AIT) sem a presença do condutor impossibilita desse ser notificado no ato do cometimento da infração.

Por conseguinte, o proprietário deve ser notificado da infração.

Este, por sua vez, nomeia o condutor infrator, caso não tenha sido ele próprio.

Caso a notificação não ocorra, a AIT deve ser simplesmente arquivada.

Com a epidemia do coronavirus (covid-19) foram suspensas em todo país as expedições das notificações e das infrações de trânsito.

Dessa forma, um requisito da norma deixou de ser cumprido.

Notificação aos proprietários

O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê que a emissão e envio da Notificação de Autuação de Infração de Trânsito (NA) ao proprietário do veículo identificado em infração ao código deve ocorrer em até 30 dias da sua ocorrência.

Caso isso não ocorra (art. 281 do CTB), o AIT deve ser arquivado.

Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente: II – se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação.

Sobre a data de expedição da NA deve ser definida a data limite para apresentação da defesa de autuação, em prazo não inferior a 30 dias.

O mesmo prazo serve para o proprietário indicar o condutor infrator, quando não for ele próprio.

Consequências da suspensão das notificações

A suspensão da expedição das NA, decidida por meio de portarias do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) causou, primeiramente, prejuízo na defesa da autuação.

Isso porque as NA começaram a ser recebidas pelos proprietários do veículos em torno de 360 dias após o denunciado cometimento da infração de trânsito.

Desse modo, o prazo praticado foi muito superior aos 30 dias previsto no CTB.

O limite de 30 dias foi definido para o proprietário do veículo não ter sua defesa prejudicada.

Afinal, quanto maior o tempo passado da data da infração, mais difícil fica recorda-se do ocorrido.

Essa dificuldade prejudicaria sua defesa e a indicação do real condutor do veículo.

Multas de trânsito passíveis de cancelamento

Dizia o poeta romano Ovídio na sua obra Heroides, ao se referir quando os governantes se colocam acima da ética dominante para manter ou aumentar seu poder.

os fins justificam os meios

O CONTRAN possui legitimidade para deliberar sobre a Lei nº 9.503/1997 (CTB), legalidade concedida pela Resolução CONTRAN nº 776/2019.                         

O Mandado de Segurança nº 1019473-71.2020.4.01.3400 da 1a Vara Federal Cível da SJDF tratou da suspensão da remessa das NA.

Neste, foi trazido que “a suspensão de prazos processuais dispostos em lei federal é passível de ser realizada por ato normativo infralegal, notadamente em situações de emergência. Trata-se de fato comumente praticado por administrações de foro, tribunais, e pelo CNJ. No âmbito administrativo, atos normativos secundários editados pelo TCU, CNMP, MPU e outros órgãos, cumprem essa mesma função em relação a processos administrativos”.

Seja como for, a suspensão de tais prazos é plausível porque, nesses exemplos, os processos existem e são conhecidos por todas as partes envolvidas.

Caso específico do CONTRAN

O ineditismo trazido pelo ato do CONTRAN está na inexistência dos processos, ou melhor, no conhecimento de suas existências apenas pela parte dos órgãos administrativos envolvidos.

A outra parte dos processos, os proprietários de veículos, ora tidos como infratores, passaram a conhecê-los somente após muito tempo de ocorridas as supostas infrações ao CTB.

O próprio CONTRAN, pela Deliberação nº 186 de 26/03/2020, reconhece e ressalta a necessidade do “cumprimento do prazo máximo de trinta dias, determinado no art. 281, parágrafo único, inciso II, do CTB, e no art. 4º da Resolução CONTRAN nº 619, de 06 de setembro de 2016”.

Por isso, chegou a deliberar pela necessidade de expedição da NA ocorrer ao menos pela inclusão em sistema informatizado do órgão autuador (Resolução CONTRAN nº 782 de 18/06/2020).

No entanto, o que se viu é que sequer isso fora cumprido.

Fator meramente arrecadatório

Não obstante a MP nº 928/2020 elaborada sobre a Lei nº 13.979/2020 e citada no referido Mandado de Segurança ter sido revogada, é bem verdade que o efeito trazido pelo CONTRAN coloca em desfavor o proprietário de veículo, incitado por uma infração de trânsito ocorrida em média há mais de doze meses.  

Assim sendo, a ação de suspensão do Art. 281, parágrafo único, inciso II do CTB promovida pela Resolução CONTRAN nº 805 de 16/11/2020 feriria gravemente o Art. 61 da Constituição Federal.

O ato também descumpriria a competência do CONTRAN exatamente em zelar pela uniformidade e cumprimento do CTB (Art. 12, inciso VII do CTB).

Ainda ao fazê-lo o CONTRAN, na mera hipótese de que seu ato fosse válido, colocou essa Resolução em vigor a partir de 1º de dezembro de 2020 (Art. 19), porém retroagindo a suspensão do Art. 281, parágrafo único, inciso II do CTB (Art. 5) para o período de 26 de fevereiro de 2020 a 30 de novembro de 2020.

Este ato transgrediria sobre segurança jurídica básica, em que a lei, fonte primária do direito, não pode retroagir para prejudicar ato jurídico perfeito, como estabelece princípio constitucional expresso e como prevê o Art. 6º do Decreto-Lei 4.657/1942.

Entendimento final

Tal condição atinge a centenas de milhares de proprietários e condutores de veículos por todo país em grave ato contra a Constituição Federal que precisa e deve ser defendida.

Não se pode, por meio de um mero ato administrativo, alterar a Lei e ainda assim fazê-lo em caráter retroativo.

Por fim, a Resolução CONTRAN nº 805/2020 deveria ser imediatamente revogada e as autuações de trânsito que não tiveram suas NA emitidas dentro do prazo legal arquivadas ou revertidas em advertências.

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